terça-feira, 2 de março de 2010

Talvez uma última carta



Já faz algum que você saiu. Mas a sua mala ficou ali no meio da sala. Não consegui tirá-la dali por enquanto. Até pensei em atear fogo ou tacar pela janela.


Nesse meio tempo, da sua partida e desta carta, nada em particular aconteceu. As coisas continuam basicamente as mesmas. Muito trabalho, algumas festas no meio do caminho. Filmes e cafés pela cidade e amigos fazem visitas de vez em quando. Como costumavam quando você ainda estava por aqui. Todos, muito educadamente, não perguntam o porquê da mala.

Mas preciso lhe contar que uma coisa mudou. Consegui abrir as janelas.

Primeiro foi a da sala. Pude sentir o sol esquentando o sofá no fim da tarde enquanto eu assistia um episódio de uma série qualquer. Me joguei naquele restinho de sol do dia e fechei os olhos só para sentir a luz aquecer cada milímetro do meu rosto.

Depois foi a janela do quarto. Fazia tempo que não via o céu ainda escuro de dia nascendo. Deixei aquela brisa fria de sete horas da manhã entrar e gelar todos os meus dedos do pé.

A última janela já não foi tão fácil. Levou um pouco mais de tempo. Aquela da área de serviço. A que você mais gostava. Aquela onde tivemos uma das nossas últimas conversas. Bebíamos cerveja e deixamos pela metade no chão da sala.

E acho o único motivo da sua mala ainda estar ali, são as pequenas lembranças. Como a da cerveja deixada no chão e dos comentários que ninguém nunca ouviu. Nossas lembranças. Minhas lembranças. E confesso que pensar nas bobagens que nunca aconteceram, hoje me faz bem.

E por isso eu quebro o meu jejum de letras.

Preciso lhe agradecer.

Não estranhe, pois ainda tenho todo o meu juízo no lugar certo.

Mas preciso sim lhe agradecer. Por me lembrar que eu ainda sei como gostar. Coisa que eu achei ter esquecido há algum tempo.

Obrigada.

E fique tranqüilo. Em breve eu mando a sua mala.