domingo, 5 de dezembro de 2010

Sobre família

Primeira taça de vinho. Crepe de strogonoff.

Sempre gostei de pessoas com comentários ácidos. Pessoas com humor negro. Até um pouco de cinismo. Por isso escolhi aquela mesa. Dois casais. Um primo, uma prima e seus respectivos cônjuges. A conversa girava em torno de um recém-chegado na família cujo gosto pelo trabalho não era uma de suas qualidades. Eu, como ainda não conheço sujeito, não pude opinar. Apenas ouvi os apelidos e as histórias sobre o moço. Família tem dessas coisas – pelo menos a minha - exige dos recém-chegados os comportamentos da maioria da família. Sendo um pouco diferente a aceitação fica mais complicada (às vezes até impossível).

Segundo crepe. Quatro queijos.

O assunto agora girava em torno do primo que acabara de chegar à mesa. Uma das pessoas mais engraçadas que conheço. Melhor, o assunto era sobre ele e seu gosto duvidoso por bebidas. Assunto este que nos fez inclusive questionar sua masculinidade. Disseram: “caipirinha de morango com saquê é bebida de travesti”. Ri. Quis acrescentar que só faltava dizer que preferia com adoçante. Preferi apenas rir.

Segunda taça de vinho. Uma parada estratégica em outra mesa para um beijo na careca do meu pai e um cheiro na minha mãe. Terceiro crepe. Camarão.

A esta altura o assunto passou a ser trabalho. Vendas dos empreendimentos, velocidade de vendas e coisas de uma família que trabalha com mercado imobiliário. Passamos pelas férias que serão curtas em virtude da quantidade de negócios a acontecer. Para onde iremos no ano novo e o que cada família irá fazer com o pouco tempo que cada um terá. Planos para a festa de natal. Neste momento as crianças acabaram de comer. Me olharam e sorriram com aquela inocência e ansiedade que só crianças tem e me intimaram a brincar. Negociei: “termino a taça de vinho e em seguida vou”. O menino saiu. As duas meninas contavam os goles e comemoravam cada vez que o fim ficava mais próximo. Lá fui eu. Veio logo atrás a minha sobrinha que decidira brincar junto. Junta a criança no colo, corre atrás de uma, corre atrás de outra, ajeita a criança no colo, sobe escada, desce escada, ajeita a criança no colo, passa embaixo da mesa, faz cócegas em um, beija e aperta o outro. “Janaina deveria abrir uma creche”. Não, não deveria não.

Terceira taça de vinho, um copo d’água e o último crepe. Repeti o de camarão.

Sentei novamente na mesa. Cansada e ofegante. Já tinha aumentado o número de pessoas sentadas por ali. A tia que havia ficado sozinha em uma mesa próxima veio ficar perto. Minha irmã também apareceu e mais um primo que chegara tarde, pois sua loja fecha após as 21 horas. O assunto já havia dispersado. A cada três o assunto era diferente. Uns falavam de trabalho, outros dos filhos e a escola que irão no próximo ano, outros das mudanças que o ano havia implicado na vida. Todos com um ar de ano terminando. Alguns começam a ir embora. A sobrinha vem para meu colo chupando um pirulito azul. A criança era puro açúcar e vira o assunto de todos por uns minutos. A atenção dispersa mais uma vez. Ela vai embora com a minha mãe e depois de uns minutos vou embora com meu pai para deixar minha irmã na casa dela.

Um copo d’água. Antes de dormir.

O vinho me deu um sono gostoso e tudo que desejei no carro era minha cama. Cheguei, dei um último beijo da minha sobrinha que já dormia. Bebi um copo d’água e fui deitar. A sensação era incrível. Não só pela moleza do vinho, mas pela delícia de noite. Pensei: “minha família é foda”. Dormi. Um sono pesado, profundo.