João era um assassino em recuperação. Sempre fora muito competente em seus assassinatos, por isso ninguém nunca soube. Porém ultimamente estava se tratando. Terapia e tudo mais.
Decidiu largar seus vícios.
Como o lema do AA e do NA, ele repetia toda manhã - Só por hoje.
João começou a levar o trabalho a sério.
Conseguia não mais pensar no quanto o pescoço da tia do café sangraria caso um dia ele resolvesse... (Ela tinha um pescoço gordo com uma veia enorme que saltava aos olhos do João)
Até suportava a voz da secretária do seu chefe sem fantasiar em cortar suas cordas vocais antes de...
E inclusive aguentava seu colega se gabando sobre suas conquistas da noite anterior sem pensar em...
Respirava fundo e pensava - Só por hoje!
Chegou a ser promovido.
Quase se esqueceu da sua compulsão por sangue.
E até noivo ficou.
Porém...
A noiva reclamou de uma ligação que João não retornou.
A secretária do chefe e sua voz irritante lembrou de uma reunião que João estava atrasado.
A tia do café fez um café fraco – Nada pior que café fraco – pensou João.
Seu colega, agora seu funcionário, fez algum comentário babaca sobre alguma garota gostosa do escritório.
Ainda assim João respirou fundo e pensou - Só por hoje!
Chegando no seu apartamento, por volta das 19h30, após trânsito curitibano das 18h30, João escuta um barulho parecendo um tiro.
Vira e esgana o primeiro pescoço que encontra pela frente.
Era o filho do vizinho que havia estourado um saco de pão para assustar o João.
João respirou fundo, arquitetou a desova do corpo, se livrou das roupas que usava, lavou as mãos e então parou para pensar - Tudo bem, eu nunca gostei de crianças mesmo...
E então recomeçou sua rehab com o seu diário - Só por hoje.
*Texto inspirado em figuras estranhas nos ônibus desta Curitiba