terça-feira, 9 de novembro de 2010

Desencaixe

Era um fim de semana atípico em Curitiba. Muito sol e muito calor. Estranho, pois Curitiba geralmente não fica feliz quando os fins de semana chegam. Ela fecha a cara, esconde o céu azul com inúmeras nuvens cinza e às vezes ainda resolve molhar o povo da cidade. Como se ela não gostasse de folga de trabalho.

Mas como ia dizendo, era um fim de semana de sol. E, apesar da menina gosta de dias azuis, tudo parecia estar fora do lugar. Naquele sábado parecia que tudo era pequeno de mais, que o sapato apertava, que o povo falava muito e que tudo pesava quinze vezes quilos a mais. Um sábado à tarde com uma constante sensação de desencaixe. De que o mundo não era dela. Talvez pelo sol estranho na cidade cinza ou por coisas que ela deixou de entender.

Mas ela quis sair correndo da praça lotada e gritar no meio da rua. Fazer o tempo parar para que, quem sabe, ela encontrasse outra vez um espaço do tamanho dela, sair dali sem ninguém perceber. Ou então poder fingir ser outra pessoa, dar uma de louca, deitar no meio da grama, tirar a roupa ou ser invisível. Já que não de encaixava ali mesmo, por que não ser realmente excêntrico? Mas a garota é contida.

Conversou com as pessoas, obedeceu quando disseram para ela ficar. Bebeu quando disseram que era para beber e saiu quando disseram que era para sair.

Infelizmente nada daquilo fez sentido. Ela foi dormir.

Domingo veio. Outro dia azul na capital cinzenta. Surgiu o convite para o samba. Como antes, ela foi onde disseram que ela deveria ir. Dessa vez não bebeu quando disseram para beber. Não dançou quando disseram que era para dançar.

Dançou apenas quando ela quis. Comeu e bebeu apenas o que ela quis e quando ela quis. E o mundo aos poucos voltou a fazer sentido. Aqueles rostos tão familiares e tão de sempre fizeram o mundo achar mais uma vez um espaço onde ela coubesse, onde as coisas tivessem o peso real e o sapato tivesse o tamanho certo.

Um sorriso de criança pela manhã, o passeio pela rua, o papo no sofá, a canga na grama no fim da tarde, a bolinha de sabão, a cerveja não tão gelada seguida pela cerveja bem gelada e as conversas com aquelas que faziam falta. O fim de semana acabou e a sensação de desencaixe foi-se embora. A menina se deu conta que ela não gosta de gente, mas gosta sim da sua gente. Da gente de tempos antigos e da gente de novos tempos. Daquela gente que faz o mundo dela ser do jeitinho que é.

5 comentários:

  1. Apaixonante. E só COMEÇA assim.

    E que a menina esteja à vontade!
    Deixa ela provar o agridoce do saudosismo, deixa ela saber da cretina saudade implícita numa lembrança.

    É teu 'diário secreto' ou livro de receitas, Janaina?

    ResponderExcluir
  2. Posso dizer que é uma mistura! Um pouco de diário e um pouco de livro de receitas. É talvez, mais que tudo, uma válvula de escape.

    ResponderExcluir
  3. O Petla achou legal e pessoal seu texto, e disse que todo primeiro passo começa em solavancos, mas logo se acostuma com a passada.

    (=

    ResponderExcluir
  4. Terapia literária autoral, vai bem. MUITO bem. Vc tb é ilustradora, sabe? Tua narrativa visual é suave, Jana. Vou gostar muito de visitar teus ensaios aqui, mulher.

    ResponderExcluir
  5. Petla! Sabe que até gostei dessa brincadeira de escrever e fingir que não falo de mim mesma! Tentarei mais vezes a terceira pessoa! Que bom que gostou! Beijo!

    ResponderExcluir