terça-feira, 22 de setembro de 2009

Os textos bonitos escritos com giz



Há algum tempo eu tranquei a porta de uma sala vazia. Eu a havia esvaziado fazia algum tempo e de repente achei que era melhor deixar assim. Peguei a chave e guardei em uma caixinha preta. Na tampa da caixinha preta havia desenhada uma caveira branca. Uma caveira igual àquelas que eu via nas garrafas de veneno nos desenhos animados de quando era criança. Para quem olhasse a caixinha soubesse do perigo que havia ali dentro.

Pode parecer estranho uma sala vazia ser perigosa. Mas eu conto agora que aquela sala vazia não era tão vazia assim. Ela não tinha sofás, camas ou armários. Não tinha quadro algum ou fotografia alguma na parede. Não havia ninguém, nem uma viva alma. Mas havia muitas coisas que ainda estavam vivas naquela sala. Ela estava lotada de lembranças e sentimentos. Era uma sala minha, só minha, que eu não queria que ninguém mais entrasse. Eu juro que não queria.

E por isso, numa tarde dessas, fui até a minha praia predileta. Senti o sol esquentar minha pele e a areia fazer cócegas nos meus pés. Senti o cheiro do mar e os seus carinhos em minhas pernas quando cheguei bem perto das suas ondas. E lá joguei fora a caixinha preta, com a caveira na tampa e a chave dentro. Joguei com força para que ela fosse parar lá no fundo do mar.

Eu juro que não queria que mais ninguém entrasse. Que ninguém mais visse minhas pinturas tristes e azuis no chão, os trechos prediletos das minhas músicas prediletas rabiscadas no teto e muito menos meus textos bonitos escritos com giz colorido nas paredes.

Mas depois de tanto tempo fechada, sem ninguém entrar, as pinturas tristes e azuis no chão desbotaram e hoje têm cor cinza. Eu nem mais me lembro por que aqueles trechos eram meus trechos prediletos daquelas minhas músicas prediletas. E os textos bonitos escritos com giz nas paredes não fazem mais sentido, a cor desbotou e eles ficaram brancos. As lembranças e sentimentos que enchiam a sala por serem vivos de mais, não chegaram a morrer, mas certamente pararam de gritar. De girar e correr e dançar a ponto de me confundir. E o que parece, sem me precipitar, é que o perigo passou.

A sala hoje poderia ser aberta, alguém poderia entrar e eu poderia pintar novas tristezas no chão, dessa vez talvez usaria o roxo e não o azul. Eu poderia escolher novos trechos prediletos de novas músicas prediletas para rabiscar no teto. E eu poderia escrever novos textos bonitos nas paredes e, quem sabe para durar mais, eu usaria tinta guache.

O único problema é que a caixinha com a chave está lá no fundo do mar. Ou, se saiu de lá, ainda não voltou para as minhas mãos. E hoje eu só tenho um pedido a fazer. Pedir que, caso alguém ache a minha caixinha preta, com a caveira na tampa e com a chave dentro... Poderia, por gentileza, trazer de volta para mim?

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