terça-feira, 2 de novembro de 2010

Feita de Pano

- Sabe de uma coisa? Você parece aquela personagem do Sítio...
- Qual? A Narizinho? Me diziam isso quando eu era criança.
- Não... Não é a Narizinho. Está mais para aquela boneca, feita de pano.
- Emília! É mesmo? Por quê?
- Acho que bonecas de pano não têm coração. Você faz bem o papel.
- Até faz sentido. Larguei mão de ser narizinho para ser boneca de pano e deixei de ter coração.
- E por que isso?
- Coração dói, incomoda, aperta. Preferi trocar por um fígado. Na atual conjuntura, era o melhor que poderia ter feito.
- Mas e um coração não faz falta?
- Não tem feito não, sabia? Quando fizer, procuro por algum no mercado negro. Sempre tem um perdido por aí, precisando de uma casa nova. Alguém a procura de um fígado a mais. Faço uma nova troca quando precisar...
- E me diz... Onde mesmo que você trocou o seu?

4 comentários:

  1. A gente sempre enrijece mais os sentimentos depois de um amolecer fracassado.

    Acho que por isso, quando resolvi focar em meu fígado, guardei meu coração embriagado em éter: se faz de bobo quando mexem, mas sente muito pouco e quase nunca se lembra do que aconteceu no dia seguinte.

    Essa tua história, com um quê infantil, dói ao fazer pensar: a gente troca por desistir do que foi, ou por não acreditar no que possa vir?

    Afinal, disse Leminski: "Amar é um elo / entre o azul / e o amarelo". Nada a mais.

    Beijos

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  2. Confesso que nem todos os meus textos são muito honestos. Às vezes me faço de quem desistiu de ter coração, mas isso é uma bela de uma mentira.

    Queria poder trocar, pois gostaria muito de não acreditar no que pode vir a acontecer, mas minha natureza não permite. Tenho um quê de romântica besta, que acredita em casamento e ficar velha ao lado de alguém.

    Mas hoje em dia isso me parece tão utópico... e cada tentativa me desgasta tanto, que queria poder deixar o coração de canto. Ter mais um fígado no lugar. Deixar de ser a menina narizinho que sonha alto e passar a ser a boneca de pano que poucas coisas atingem.

    Mas essa não sou eu. Tenho um coração vagabundo que quer guardar o mundo todo dentro dele.

    Beijo Walter!

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  3. Quando o Mario Llosa deu uma entrevista pro Jornal Hoje, logo após ganhar o Nobel da Literatura deste ano, ele falou:

    "Sempre há em todas as novelas uma raiz autobiográfica". Por mais que a gente tente, sempre há um pouco de nós misturado com as teclas que vamos colocando na tela. Mas também tem toda a fantasia que criamos, para deixar nossos pensamentos mais belos, e não cair no lenga lenga do dia dia a dia.

    Boa semana aí.

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  4. Algumas paixões brutas deste q vos tecla, em comum c/ vc:
    - a Lúcia, pq ela é foda ué...);
    - literatura infantil (qd serve -especialmente- p/ adultos!);
    - Sr Monteiro Lobato (visionááário);
    - essa adorável putardinha da Emília c/ sua inesgotável 'torneirinha de besteiras', o bem tramado coração de retalho, charmosíssimas meias listradas, vestidinho 'fun for me'... e ñ encha o saco! 'Spike', né? Um mimo, identificou-se?);

    Fato: SIM! Vc Janaina é a lata da Lúcia (Encerrabodes de Oliveira), mesmo. Mas fica no estético. Se vc se percebeu Emília, já pode sair caçar saci c/ Pedrinho, guria! E o Tio Barnabé deve conhecer umas cachacinhas q fariam nossos corações -e fígados- palpitarem.

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